Diante da necessidade de arrecadação para cumprimento das regras do arcabouço fiscal com déficit primário zero em 2024, o Governo Federal vem adotando medidas que buscam o aumento de receitas. Uma dessas tentativas é a proposta de cobrança de IRPJ e CSL sobre valores pagos aos acionistas em forma de JCP, atualmente, deduzidos da base de cálculo dos referido tributos por autorização do artigo 9º da lei 9.249/95.
Para entendermos a essência da discussão é preciso ir ao momento de criação da sistemática que envolve o JCP, assim, com a compreensão do porquê de sua criação chegaremos a sua consequência, que já adiantamos não se trata de mero benefício fiscal ou privilégio como afirma o Governo Federal ao tentar mudar as regras atuais.
Em linhas gerais, a lei 9.249/95 veio no momento de transição das regras contábeis com a extinção da Correção Monetária dos Balanços em dezembro de 1995. O Brasil adotou a figura do Lucro Contábil representado pelo Lucro nominal, superando a figura do Lucro Efetivo que retirava os efeitos da inflação da rubrica contábil. Com a adoção dessa nova regra contábil, poderia surgir uma disparidade na tributação de empresas com alto valor positivo de patrimônio líquido e empresas que não possuíam essas características. Na prática estar-se-ia criando uma sistemática que estimularia o endividamento excessivo das empresas com objetivo de evitar uma maior carga tributária. É para corrigir essa disparidade que surgem os JCP.
As empresas possuem diversas alternativas para viabilizar um novo investimento, tais como (i) o uso de recursos internos, (ii) aporte de capital por parte dos acionistas, (iii) ou a obtenção de empréstimos. A escolha entre essas opções leva em consideração as implicações tributárias inerentes a cada uma delas. Explica-se.
Como as despesas associadas a instrumentos de dívida são dedutíveis para fins fiscais a ausência de um mecanismo como o dos JCP geraria um estímulo ao endividamento das empresas, o endividamento excessivo da economia cria um risco sistêmico relevante que deve ser evitado.
Em outras palavras, é benéfico promover a criação ou manutenção de mecanismos com o intuito de equilibrar as consequências fiscais entre o capital próprio (equity) e o capital de terceiros (debt), é o que a experiência de países europeus (Portugal, Chipre, Bélgica, Polônia, Itália e Malta) vem demonstrando com a crescente preocupação com o endividamento das empresas.1
Com as regras atuais os JCP são calculados a partir da aplicação da taxa de juros de longo prazo (TJLP) e são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL mediante efetivo pagamento aos acionistas e se submetem à tributação na fonte à alíquota de 15% no momento do pagamento. Parece-nos que a atual estrutura encontrou uma boa forma de estimular empresas com baixo endividamento, o que parece prudente em um país como o Brasil que já sofre de inúmeras instabilidades, e ainda sim manter arrecadação com a cobrança do imposto de renda retido na fonte no pagamento.
A extinção do sistema atual pode ser prejudicial para todo um sistema que encontrou um ponto de equilíbrio baseado nas regras atuais.
Frisa-se o JCP é um instrumento utilizado por diversos países com experiências econômicas diversas justamente com os objetivos acima expostos, em especial conter o viés pró endividamento que a tributação do lucro gera. Guardadas peculiaridades do regramento em cada um desses países a essência do instituto é a mesma.
Pode-se dizer, assim, que um conjunto de empresas muito endividadas pode ter consequência nefastas em uma economia. Uma crise de crédito que levasse a um aumento relevante das taxas de juros com a consequente inadimplência e eventual falência de muitas empresas acarretaria na diminuição da arrecadação do Estado em médio a longo prazo. Ou seja, a medida teria o efeito exatamente oposto do buscado pelo Governo Federal.
Não havendo motivos jurídico relevantes que justifiquem a extinção da sistemática da dedutibilidade atual e demonstradas as razões econômicas para sua existência fica claro o erro em buscar mais arrecadação pela via escolhida no PL 4.258/23.
O viés meramente arrecadatório e desatento as consequências do PL fica ainda mais evidente ao analisarmos a exposição de motivos que reconhece a existência de instrumentos semelhantes em outros países e ao invés de usar a experiência internacional para aprimorar a legislação vigente, optou por tentar revogá-la totalmente.